Há alguns anos fiz um curso durante o inverno, em noites frias de quarta feira. Éramos um grupo formado por pessoas com profissões e idades distintas que se encontravam para conversar sobre a morte.
O curso (Conversas sobre a morte, ministrado pela Doutora Ana Cláudia Arantes, uma conhecida geriatra e médica paliativista) nos convidava a conversar sobre os diversos temas referentes à vida e seus caminhos que nos levam, invariavelmente, à morte.
Era um curso sobre a VIDA, acima de tudo.
Em determinado momento do curso, foi-nos proposto uma espécie de jogo. Todos os participantes receberam um baralho. Quatro dessas cartas eram vermelhas, sendo que a primeira trazia escrito: “Se eu tivesse mais um ano”, a segunda “Se eu tivesse mais um mês”, a terceira “Se eu tivesse mais uma semana” e finalmente a quarta “Se eu tivesse mais um dia”.
Todas as outras trinta e cinco cartas traziam desejos como “Ter amigos próximos por perto”, “Estar lúcido”, “Estar livre da dor”, “Não ser um fardo para minha família”, “Não sentir falta de ar”, “Ter minha família por perto”, “Receber toque humano”, “Não morrer sozinho”, “Sentir que minha vida está completa”, “Estar em paz com Deus” e outros tantos desejos.
O jogo era o seguinte. Vamos supor que você recebesse a notícia de que tem somente mais um ano de vida. Das trinta e cinco cartas com desejos escritos, você deveria selecionar as vinte que você escolheria como desejos primordiais para seu último ano de vida.
Não há certo ou errado. Apenas a manifestação do que é importante para você durante aquele seu derradeiro ano.
Após a escolha das cartas (tarefa árdua e demorada a todos nós, alunos), recebemos a notícia que nosso tratamento não estava dando resultados e que então, ao invés de um ano de vida, teríamos nossa expectativa abreviada para um mês de vida. Deveríamos então escolher dez cartas entre as vinte cartas antes selecionadas, priorizando os nossos dez desejos essenciais para aquele nosso último mês de vida.
A escolha também foi árdua, mas surpreendentemente não tão árdua quanto da primeira vez. Selecionamos nossas dez cartas e então soubemos que tudo estava dando errado e que teríamos não mais um mês de vida, mas sim uma semana. E das dez cartas selecionadas, teríamos que ficar com somente cinco, as quais levaríamos conosco como nossos desejos essenciais na nossa última semana de vida.
Com facilidade crescente, escolhemos as cinco cartas entre as dez anteriormente selecionadas. E por fim, como tudo havia dado errado em nosso tratamento, estávamos a um dia de nossa morte. Não teríamos mais a semana que nos fora prometida, mas sim somente mais um dia de vida e, das cinco cartas que estavam em nossas mãos deveríamos escolher somente uma, aquela que seria o nosso desejo primordial naquele finalzinho de vida que nos restava.
Foi a escolha mais fácil e rápida que fizemos. Surpreendentemente, percebemos que, no final da vida, fica tudo muito claro e sabemos exatamente para que vivemos e o que nos é importante.
Por mais que esse jogo pareça, para alguns, macabro ou assustador, para mim ele foi um grande reforço naquilo que eu sempre soube. A partir dele tive claro (mais do que já tinha) o que é essencial para mim e passei a viver (mais ainda) de forma a construir a minha vida para fazer com que esse meu desejo essencial seja vivido não somente no final da minha vida, mas no meu dia a dia.
E o que isso tem a ver com vida profissional?
Penso que tudo.
Não existe empresa certa ou errada, nem cargo certo ou errado, nem objetivos certos ou errados em sua vida. O que quer uma pessoa é diferente do que quer outra, o objetivo do João é diferente do objetivo da Maria. E quando falo nesses objetivos estou falando em objetivos para a vida, pois não é possível separar vida pessoal da profissional, afinal, estamos falando de uma vida, uma pessoa.
Se priorizarmos algo aqui, teremos que abrir mão de algo acolá. A vida é escolher. E se soubermos o que realmente nos importa, faremos escolhas mais sábias.
Sempre gostei de pessoas, de relacionar-me. Gosto de relações duradouras e sinto-me bem trabalhando em equipe. Gosto de ter autonomia e de poder contribuir com minha opinião para os caminhos da empresa na qual trabalho.
Nunca gostei de ambientes competitivos. Nunca almejei ser uma alta executiva de uma grande corporação, tendo que viajar e ausentar-me da minha casa e tendo, ainda, que submeter-me a toda a política que naturalmente permeia de forma mais presente as grandes corporações.
Não há nada de certo nem de errado em minhas escolhas. Elas são somente as minhas escolhas.
De uma forma bondosa, a vida levou-me a caminhos em consonância com meus valores, mas hoje vejo claramente que eu também fiz as minhas escolhas para que isso acontecesse.
Fiz escolhas que permitiram meu desenvolvimento profissional junto de pessoas de quem verdadeiramente gosto, em quem confio e com quem trabalho em equipe com prazer. Não me sinto pressionada, não me sinto ameaçada. Posso expressar minha opinião. Pude estar perto de meus filhos ao longo de minha evolução profissional, a empresa na qual trabalho permitiu que assim fosse.
Se eu abri mão de outras coisas? Certamente! Mas o fiz de forma consciente e assim, não me arrependo de nada. Só tenho a agradecer.
O jogo que contei aqui apenas me deu a certeza daquilo que eu sempre soube e que direciona todos os meus passos.
Você sabe o que realmente importa para você? Você vem caminhando de acordo com o que realmente importa para você, de tal forma que possa viver o seu maior desejo todos os dias e não somente no último dia de sua vida?